quinta-feira, 7 de abril de 2011

Você faz o que gosta?

Crítica ao texto de Stephen Kanitz (Editora Abril, Revista Veja, edição 1881, ano 37, nº 47, 24 de novembro de 2004, página 22 - disponível em http://www.kanitz.com/)


Na minha opinião o escritor desse artigo confunde algumas coisas. A primeira delas é: lazer e profissão. Não estou falando em termos conceituais, mas em termos de como nós encaramos isso.

Velejar, jogar tênis, nadar, ler livros, jogar futebol são lazeres que a grande maioria gosta. Alguns transformam isso em profissão por um talento nato, o que o torna um diferencial valorizado num desses assuntos e acaba recebendo por isso (alguns até bem demais). Mas pra grande maioria isso não passa de lazer e não querem passar o resto da vida fazendo isso pra viver. Eu pratico natação e adoro nadar, mas nunca quis me tornar um nadador profissional para ganhar a vida. Isso pra mim é só por lazer!

Mas veja só que interessante, eu pago alguém pra me proporcionar esse lazer e essa pessoa fica o dia todo numa piscina pra manter o meu lazer e o de muitos outros que pagam por isso. Esse não seria o sonho de muita gente? Passar o dia todo de bermuda, camiseta e chinelo, na beira da piscina, podendo nadar a hora que quiser, só dando ordens e recebendo dinheiro pra isso? Pra mim isso é lazer, pra ele isso é profissão.

Não duvido nada que um grupo de pessoa pague pra ver uma revista de belas paisagens e, com isso, pague indiretamente uma pessoa para viajar até esses locais e tirar lindas fotos. Imagine, ganhar pra viajar o mundo tirando fotos e conhecendo lugares lindíssimos. Fale o que quiser mas isso existe, é uma profissão e duvido que o cara odeie e faça bem feito só por força da profissão.

O grande diferencial é que são profissões de baixíssima oportunidade, onde um número ínfimo consegue realmente ganhar um bom salário enquanto a maioria se frustra. No caso do fotógrafo e do professor de natação, gostar do que faz é determinante porque não se exige apenas que se faça bem (isso é abaixo do mínimo), exige que a pessoa goste a ponto de criar um diferencial que seja passível de uma boa remuneração, algo que poucos conseguem e acabam desistindo.

Isso é diferente quando falamos de profissões mais tradicionais como administrador, engenheiro, médico, analista e outros. Nesses ramos mais tradicionais, você conhecer como faz e fazer com esmero as vezes é o suficiente para se tornar um bom profissional, mas ninguém pode negar que quando se pega alguém que está nessas profissões e é apaixonado por ela, esse passa a ocupar lugar de destaque cedo e com toda a questão de esmero e bom rendimentos junto sem muito esforço. Há as exceções, mas são exceções.

Então há outra coisa que o autor omite ao escrever seu texto na minha opinião: a ambição das pessoas. Há pessoas como administradores, engenheiros, analistas, o sapateiro, o lixeiro ou o operário da fábrica de meias que acredito não gostarem do que fazem. Só que no fundo são pessoas que não ligam pra o que tem que fazer na verdade porque querem algo que possam chegar, fazer sem pensar muito (e principalmente, estudar muito) e ir embora. Tocar a sua vida, seu churrasco, seu chopinho que é mais importante. Pra essas pessoas, tendo o seu pouco dinheiro no final do mês ta ótimo porque daí vai fazer o que gosta realmente! Pra que mais? Pra que tanto esforço? Pra que ter que gostar?

Então a pergunta é, colocar esses grupos de pessoas num mesmo contexto é certo para podermos falar sobre essa questão? É querer comparar a igualdade entre a maçã e a banana... São frutas, mas param por aí. Não da pra tratar da mesma forma!

Escrever “Muitos tios, pais e orientadores vocacionais acabam recomendando ‘fazer o que se gosta’, um conselho confuso e equivocado” pra mim mostra que o escritor, na verdade, ou é um profissional frustrado ou quer apenas alertar as pessoas que fazer o que se gosta é difícil e foi muito infeliz no seu texto. Digo isso porque eu faço o que gosto, sou bem sucedido e conheço muita gente assim. Fácil não é, mas não conheço nenhum que seja assim e ainda infeliz e mal humorado. Agora faça o que não gosta e veja como fica! Seja um médico que não gosta da profissão pra ver se você levanta as 3 da manhã pra atender um paciente com o autor fala no texto.

É claro que ao falar sobre isso, surgem temas filosóficos como: se todos procurassem fazer o que se gosta, estudassem e se esforçassem pra isso, como ficaria as coisas mais triviais do nosso dia a dia como o lixo, o sapato, a meia, a limpeza da casa e tantos outros? Falar sobre isso é entrar em conceitos de sociedade. Isso existe porque a sociedade permite. Se a sociedade não quiser mais que ninguém faça isso, outros modos serão criados para evitar isso como, por exemplo, todos fazerem um pouco ao invés de pagar alguns para fazerem tudo pra todos.

Podemos então entrar num embate longo sobre isso mas o fato é que concordar com um texto desse é, no mínimo, ser complacente com uma realidade que não existe como é descrito pelo autor.